Ainda quando a cidade de Florianópolis era Vila de Nossa Senhora do Desterro, o século XVIII se firmava com muitas revoltas de negros que buscavam a liberdade e lutavam contra os seus senhores brancos no sistema de escravidão do Brasil. As revoltas de escravos e as formações de quilombos no país eram a tentativa constante dos homens e mulheres negras de se tornar livres e conquistar seus direitos. Em Florianópolis estas lutas não foram diferentes. O Morro do Governo, hoje, Morro do Mocotó, foi ocupado a partir do desejo de liberdade de pessoas pretas que encontraram na comunidade a forma de resistir contra as opressões da época.

Foto antiga do Morro do Mocotó.

Foto antiga do Morro do Mocotó.

Foi neste grande maciço da Ilha que o povo negro construiu seu território e identidades. Buscaram preservar memórias, respeitando as ancestralidades africanas e resistindo às afrontas da colonização e escravidão. Quando em 13 de maio de 1888, a princesa Isabel assinou a lei que “abolia” a escravidão no Brasil, as pessoas negras não se tornaram livres de fato. Isso porque deixar as casas e senzalas de seus senhores sem comida, dinheiro, escola e sobretudo moradia significou que ainda não tinham conquistado a liberdade e a independência.

De fato, o 13 de Maio representou o dia de lutas intermináveis de um povo sem trabalho, educação, saúde, alimentação e moradia. Assim, o morro cresceu como território de pessoas pardas e pretas e de brancos pobres, território dos desprotegidos da princesa do império do Brasil.

Todavia, o sentimento de partilha e de família da comunidade fizeram das senhoras mais velhas do morro, as matriarcas do Mocotó, o símbolo das provedoras de alimento e esperança.

Mocotó é a sopa de tutano feita a partir das patas de bois, caldo que alimentou os famintos, os pobres, os escravos fugitivos. Depois, também os marinheiros e trabalhadores da construção da ponte Hercílio Luz que subiam o morro para saciarem a fome. Esta culinária típica dos moradores e dos agregados do morro dá nome a identidade do território. O nome deixa de ser do Governo e se torna do Mocotó, em alusão ao povo negro e suas lutas.

Tal como no passado, o Morro do Mocotó, terra de acolhida de negros, escravos fugitivos, pobres e segregados do sistema de exclusão social e escravidão, permanece como símbolo do abraço. Nos dias atuais, recebe imigrantes haitianos e migrantes paraenses, baianos e todos aqueles que, excluídos pela sociedade, procuram no morro acalento, refúgio e sobretudo esperança.

A história do Morro como lugar de encontro, partilha e fortaleza mostra a narrativa de sobrevivência que se repete: gente simples e de fé, guerreiras e guerreiros da vida real que, tal como o brilho do pôr do sol, visto do topo do morro, não desiste de fazer do amanhã um dia a mais de esperança. Por esta razão, o Morro do Mocotó, talvez, seja também o morro do abraço.

Algumas reflexões sobre o 13 de maio

Rua Treze de Maio iluminada. Foto: Beatrice Corrêa de Oliveira Gonçalves (2015).

Rua Treze de Maio iluminada. Foto: Beatrice Corrêa de Oliveira Gonçalves (2015).

Vimos como a história do Morro do Mocotó muito tem relação com a escravidão e a luta pela abolição. Inclusive uma das ruas mais conhecidas da comunidade leva o próprio nome de Rua Treze de Maio. Sabemos que o Mocotó é território de resistência, mas o que a assinatura da Lei Áurea trouxe de transformações efetivas para o povo negro? O que mudou de lá para cá?

Durante muito tempo houve uma parte da história que dizia que a libertação dos escravos foi ato de bondade da princesa Isabel. Ao assinar a Lei Áurea, ela teria libertado os escravos que, a partir daquele momento, teriam todas as condições para viverem livremente. Mas não foi bem assim que aconteceu. Sim, a abolição foi oficialmente assinada, mas a liberdade não foi algo ganho e sim conquistado. A luta pela abolição da escravidão foi, na verdade, algo protagonizado pelos próprios escravos. Utilizaram de várias estratégias, desde revoltas, a criação de quilombos, a fuga de escravos e as disputas cotidianas entre senhores e escravos. Fato é que o povo negro e indígena (que também foi escravizado) incomodou muito quem lucrava a partir da exploração de seu trabalho.

Antes mesmo da Lei Áurea, outras leis que caminhavam no sentido da abolição, não garantiram o fim da escravidão. Foi o caso da Lei do Ventre Livre, assinada em 1871. Ela decretou a liberdade dos filhos de escravas, e a Lei dos Sexagenários que, em 1885, estabeleceu a libertação de escravos a partir dos 60 anos. Apesar de avanços importantes e um sinal de que o processo da abolição, ainda que muito lento, poderia acontecer, essas leis não garantiram uma liberdade real. Aqueles que foram considerados libertos ainda teriam que se libertar da fome, da falta de moradia e de condições dignas de se viver.

Até hoje vemos como o povo trabalhador brasileiro sofre com a falta de direitos, a superexploração do trabalho, a exclusão dos espaços de decisão, o racismo e outras formas de violência.

Por sua vez, isso nos faz pensar nos problemas que encontramos na própria comunidade do Morro do Mocotó, não é? Por isso, é fundamental sabermos um pouco da história e também como ações coletivas pelo bem da comunidade podem contribuir para a vida no Mocotó. Portanto, o dia 13 de maio é também conhecido como dia da falsa abolição. Porém, a luta pela verdadeira liberdade continua e acontece no cotidiano, ao entendermos que mudar a nossa realidade é necessário e possível.

Amanda Koschnik e Diogo Coelho
Educadores Sociais da Acam