Irmã Hedwiges e Juliana Wilke.

A luta por um espaço adequado para receber e atender as crianças e adolescentes do Morro do Mocotó iniciou no final da década de 70, sob a liderança da irmã Hedwiges Hofer que chegou para ajudar na recém-inaugurada creche da Sociedade Alfa Gente. O trabalho da religiosa, no entanto, foi muito além. À medida que se inseria na comunidade e conhecia as famílias, percebeu que ao saírem da creche e ingressar na escola, os meninos e meninas não tinham onde ficar no contraturno escolar. Muitos ficavam soltos, nos becos, andando em meio aos lixões e valas abertas, por onde corria o esgoto. A irmã começou a atendê-las na própria casa, mas o espaço era pequeno e a procura cada vez maior.

Esta história está sendo contada no livro Irmã Hedwiges, uma vida doada ao povo do Mocotó, pela jornalista Juliana Wilke. Nesta entrevista a seguir, ela fala um pouco sobre a vida e a obra da religiosa que viveu durante 40 anos no morro.

 

ACAM – Como surgiu a ideia deste livro?

Juliana Wilke – Eu tinha o desejo de me aproximar do padre Vilson Groh e fazer um trabalho voluntário na Rede IVG. Então me apresentei e fui direcionada à ACAM, onde participei de uma reunião da diretoria. Neste encontro, o presidente Cláudio Floriani Ramos Jr. e a coordenadora Geral, Betânia Zahlouth manifestaram o desejo de que fosse escrito um livro sobre a fundadora da entidade. A irmã havia saído do morro no início de 2019 e em novembro marcamos a nossa primeira entrevista, na casa onde ela reside atualmente, em São José.

 

ACAM – A irmã Hedwiges foi a fundadora da ACAM?
Irmã Hedwiges na década de 80.

Irmã Hedwiges na década de 80.

Juliana Wilke – Sim, mas muitas batalhas precederam a inauguração, propriamente dita, da ACAM, em 1995.  A partir de 1982, quando se mudou definitivamente para o Mocotó, a irmã empenhou-se dia e noite para encontrar um espaço de acolhimento às crianças e jovens que não tinham o que fazer ou aonde ir e geralmente ficavam sozinhos no período em que não tinham aula. Então começou a saga a procura de uma solução. Primeiro ela atendeu algumas meninas na sua própria casa, que era muito pequena, feita de restos de tábua. Mas os meninos também queriam participar. Então negociaram uma casa velha, que serviu, inclusive, de escola primária. Mais tarde foi construída a Casa da Comunidade, em um terreno da Associação de Moradores e, enfim, a Casa da Criança, que anos depois foi formalizada e se tornou a Associação dos Amigos da Casa da Criança e do Adolescente.

 

ACAM – Que relação ela tinha com a comunidade?

Juliana Wilke – A melhor do mundo. Ela não se preocupava só com as crianças, mas com o bem-estar geral da comunidade. Se havia alguma reivindicação, ela estava à frente. Assim aconteceu na busca pela água encanada, pelo saneamento básico, pela legalização das terras, na condução dos jovens para o primeiro emprego. A irmã estava sempre preocupada em melhorar as condições de vida do local. Empenhava-se para transformar a realidade de todos, porque só queria o bem dos moradores. Lutou para a inserção deles em projetos e políticas públicas e sociais. Fazia o atendimento pessoal, conhecia as famílias e as mães das crianças. É difícil encontrar alguém no morro que não lembre ou não conheceu a “tia” Hedwiges e que não nutra um profundo sentimento de bem querer e gratidão a ela.

 

ACAM – Com base no trabalho da irmã, o que a ACAM representa para o Morro do Mocotó?
Irmã Hedwiges

Irmã Hedwiges.

Juliana Wilke – A irmã transformou a ACAM num espaço de resistência e apoio, uma ponte para os moradores conseguirem o que têm direito, um respiro em meio às adversidades, que não são poucas em uma comunidade pobre, onde inexiste o Estado, a não ser pela via policial. Procuram a entidade para fazer, por exemplo, o Cadastro Único do Governo Federal, para receber cestas básicas durante a pandemia, participar de cursos técnicos ou profissionalizantes, entre outros projetos e benefícios que possuem e que sem a ajuda da ACAM não sabem ou não conseguem obter. Por meio de diversas parcerias, muitas que iniciaram lá atrás, na década de 80, uma rede de ajuda mútua foi formada e a instituição consegue promover diversas ações educativas e socioassistenciais.

 

ACAM – Quando o livro será lançado?

Juliana Wilke – Muito em breve. Sigam as redes sociais da ACAM (Facebook e Instagram) que vamos divulgar o dia, a data e a hora através elas.